As botas cruzadas sobre o banquinho não se ocupavam da réstia de sol a escorregar para fora do alpendre, não. Com o que podiam da atenção, ao sabor da leseira que arrasta o fim de um dia abafado, miravam, sim, o mar de zinco morro abaixo, rebrilhando ao sol como mil peixes esperneando numa tarrafa … Continue lendo As botas (e Lino)
Tag: violência
Os tempos e os modos da violência à brasileira
Estou até as tampas com suas teorias, seus poemas e partidos revolucionários. Por aqui a palavra Direito não se fez por inteiro. Vagner Souza, “Sofrimento de Fátima” Certa vez discutia com Vagner Souza, um educador, poeta e amigo, sobre a violência de Estado no Brasil e sobre o impacto dos acontecimentos políticos recentes nesse … Continue lendo Os tempos e os modos da violência à brasileira
Eu olhar [você]
Se começasse assim. Se assim como nada; assim, como quem quer nada. Se assim que se pudesse, ou ainda antes, quando ainda parecesse vir do nada. Se como um encontrão, como livros pelo chão, se com um sorriso de artista de televisão. Se você antes do medo em mim. Se quando ainda havia inocência, quando … Continue lendo Eu olhar [você]
… numa terra muito, muito distante
O clima de tensão era praticamente visível: havia uma espessura, uma expectativa, a espera por algum tipo de catástrofe ou milagre, havia medo e um esforço obviamente inútil de pretender normalidade. Em geral não se via muita gente. Já era tarde, os trens pegavam pouca gente nas estações, os faróis paravam poucos carros junto às … Continue lendo … numa terra muito, muito distante
À porta
Quando ele enfim nunca mais voltou eu pude, por um tempo, descansar. Pude olhar ao redor, pude olhar a mim mesma, pude ter medo, e então raiva, e enfim nojo - primeiro de mim mesma, mas depois, brevemente, dele. Contemplei, curiosa, a presença tão nítida dele em meus pensamentos. O nojo dele era uma presença … Continue lendo À porta
Imbedumehlwana
Começou. O suave tamborilar à janela me convida à varanda, de onde observo a garoa que principia a grande limpeza. Quem passa lá em baixo desapercebe o sinal, abre o guarda-chuva a guardar-se do que a todos parece um aborrecimento primaveril. Quem mais saberá que começou? Soará em meio aos povos o velho, continuado … Continue lendo Imbedumehlwana
cosmogonia da treta toda
descobri recentemente que deus é uma mulher negra. nunca soube – e olha que fui batizado, fiz crisma e tudo. por onde passei vi deus representado sob muitas formas, mas nunca era uma mulher negra. já vi deus como um velhinho, branco e barbudo; já vi deus como um triângulo emanando raios de luz e … Continue lendo cosmogonia da treta toda
Search query = ambulante + morre + atropelado – Aproximadamente 116 mil resultados em 0,3 segundos.
Toda noite o Eduardo chega em casa e a esposa o recebe com um grito vindo da cozinha: tudo certo no trabalho? O Eduardo tem sempre a mesma resposta, curiosa resposta: sobrevivi por acaso. Tudo certo? Não se sabe. Tudo certo, porque sobreviveu. É isso que importa, não é? Então, tudo certo. Tudo certo, porque … Continue lendo Search query = ambulante + morre + atropelado – Aproximadamente 116 mil resultados em 0,3 segundos.
Morre um poeta
“Pro homem no barraco já começa mais um dia”; Eder acorda feliz com o verso, mas a sequência lhe escapa quando olha o relógio – o chefe não vem hoje, ele precisa chegar mais cedo e checar a escala, ligar pra quem costuma não vir, enfim: atrasado, já. “Busca a felicidade, esbarra na verdade/ Desiludida, … Continue lendo Morre um poeta
O açougue
NOTA: escrevi este texto por ocasião de uma disciplina de pós-graduação, mas pareceu-me literário e genérico o suficiente para ser postado aqui. Estava aqui pensando: se uma senhora me pedisse para explicar em poucas palavras o que pesquiso, de forma que ela pudesse compreender, o que diria? Acho que diria algo assim: "tento entender por … Continue lendo O açougue