Napoleão ad hoc

É de uma ironia puta que eu reste aqui, observando com olhos inertes esse dramalhão tragicômico.
Sem falar no mau gosto dessa experiência pós-morte. Eu, apesar de não ser grande consumidor de religiões e versões do além, sempre supus que haveria um fim digno – que poderia ser uma espécie de tela preta (para mim), ou alguma espécie de suspensão contemplativa, um “olhar do alto”.
Mas não: estou preso dentro de meu olhar de peixe morto, divagando como se estivesse na sala de espera do proctologista, irritado como se eu tivesse algum melhor pra ir depois de morto.
É realmente decepcionante.
Ainda assim – reconheço – me dá a possibilidade de assistir em primeira mão a forma como a coisa degringolou. Não chego a me arrepender, acho (anoto esse “acho”, mentalmente), mas ainda assim me chama a atenção: quanta deselegância! Quanta gente feia e desinteressante! Quanta burrice! Não chega nem perto de dar razão aos esquerdistas, mas é de pôr pra pensar.
Também é notável que ninguém tenha vindo recuperar meu corpo… será que estou preso no lugar onde morri, e não no meu corpo? Mas se fosse assim eu teria visto meu corpo sendo arrastado, ou coisa assim. Não, não: meu corpo efetivamente está estatelado no meio do palanque, e ninguém parece ter tomado isso como questão.
Claro que tem todos os outros corpos aqui em volta… mas, sei lá, o meu foi o primeiro, e acho que fui a única baixa relevante (o resto parecem ser militantes, esquerdistas e bolsonaristas, mas tudo gente pequena, e uns dois policiais que acho que caíram ali em frente).
De qualquer forma, não é de todo ruim. Digo… talvez se me velassem e me enterrassem eu perdesse a consciência de vez, e isso seria lá um alívio (nunca fui muito chegado à minha consciência, de qualquer forma); mas por enquanto, pelo menos por enquanto, convém que esteja aqui assistindo a essa apoteose do caos na tribuna de honra (com o olhar fixo, como uma espécie de cinema iraniano desses que não entendo e não assisti mais, mas ainda assim, parece um programão para quem já morreu).
Qual será a repercussão que isso aqui vai ter na mídia internacional? “Comitê festivo de recepção de ex-presidente termina em catástrofe após briga interna entre famoso youtuber e um dos filhos de ex-presidente terminar em homicídio à queima roupa”.
Será que isso complica ainda mais a vida do pessoal?
Pode ser que seja bem o contrário – o pessoal da direita se anime, apoie a causa e fortaleça o movimento, tomando essa desgraça aqui como uma espécie de Waterloo que proclame para as redes um Napoleãozinho ad hoc.
Vai saber… uma das belezas, e uma das desgraças desse movimento é que tudo pode ser repaginado, nada significa nada (pelo menos, não definitivamente).
Curioso que mesmo assistindo a uma batalha campal gigante, e mesmo tendo morrido logo na primeira cena dela, eu estou entediado.
Acho que é porque agora, morto, eu não consigo interagir nem postar nada no Twitter, Gettr, Parler, nada.
Putz! Ia dar pra produzir muito material massa sobre minha morte!

Um comentário em “Napoleão ad hoc

  1. Oi Wilson, vou entrar na sua página para ver a live. Depositei hoje, 200,00 primeira parcela do seu curso. Achei melhor pq não vou assistir todas as sextas. De quinze em quinze dias, vou a ginástica e fisioterapia. Não posso deixar de fazer a fisioterapia. Se for preciso mando o print do recibo. Bye.

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