Toda noite o Eduardo chega em casa e a esposa o recebe com um grito vindo da cozinha: tudo certo no trabalho? O Eduardo tem sempre a mesma resposta, curiosa resposta: sobrevivi por acaso.
Tudo certo? Não se sabe.
Tudo certo, porque sobreviveu. É isso que importa, não é? Então, tudo certo.
Tudo certo, porque diferente disso seria errado. Vai vender doce pra filho de apartamento, vai vender arma pra moleque roubar no asfalto, vai comprar arma pra descer e roubar no asfalto, aí sim: tudo errado. Então, tudo certo; vender bala no cruzamento: tudo certo.
Tudo certo, porque tudo igual – é sempre a tanta mesma gente, as tantas mesmas janelas, sempre fechadas, é sempre a tanta mesma fumaça e as tantas motos, sempre a mesma e tanta pressa, sempre mais pressa, sempre mais moto, e tudo sempre tão igual, hoje já é ontem e amanhã se deus quiser – tudo certo.
Tudo certo, porque sobreviveu – sempre tanta pressa, e tanta fumaça, sempre tanta janela fechada, sempre tomando fechada, sempre o olhar de flechada, a desconfiança, a garganta, a polícia, a suspeita, sempre a raiva e o medo e a rua, sempre a rua. Chegou em casa, sobreviveu, tudo certo.
Tudo certo.
Eduardo já não pensa quando responde, tudo bem sobreviver por acaso. Tudo bem amor. Tudo bem por acaso. Não importa, tá tarde, a cidade alerta, os bandidos à solta, os ambulantes na rua, onde está a lei, senhor prefeito, mata esses home.
Mata esses home.
Eduardo tá lá, ele e o home na tela é um só, é a mesma havaiana arrastada no asfalto, a mesma bala que vende, a mesma bala que mata. Encontrasse o Datena e a sorte era destino: pro Datena ele é bandido, pro Datena o certo é matá.
Tudo certo? Tudo certo; sobreviveu.
Mas foi por acaso, e ninguém se importa – nem a esposa que pergunta, nem o Eduardo que responde, nem ninguém que já não nota; vida vivida por acaso, vida metade já morta.