Inocêncio tomou um certo susto quando a porta do consultório se abriu; contemplava perplexo, um pouco aéreo, na expectativa, provavelmente, de que fosse chamado. Esqueceu completamente, no entanto, que vira a paciente entrar, e portanto não seria chamado antes que ela saísse. A moça agradeceu alguém lá dentro e saiu. - Tchau, dona Rosa, boa … Continue lendo Inocêncio e a crise
Tag: crise
O caminho a Teotônia
Eu havia jurado da última vez que nunca mais voltaria lá. Ela já havia mostrado antes os talentos, assombrosos talentos de que dispunha para me pegar desprevenido, desvendar um canto ainda inexplorado da pouca sensibilidade que eu imagino ter à disposição. Jurei que não voltaria e, até recentemente, estive conseguindo cumprir à risca minha … Continue lendo O caminho a Teotônia
Âncora de mar aberto
Sem o mar aberto e o desalento, sem o ar frio a me apertar o peito, se em mim houvesse outro jeito quem seria de mim? Tendo estado inquieto ao longo da tarde, fui tomado no início da noite por uma euforia morna ao começar a acalentar em mim a idéia da ligação. Ela, … Continue lendo Âncora de mar aberto
O homem extemporâneo
Ele está cansado. Sem que tenha feito nada ao longo do dia, está cansado. Digladia ferrenhamente dentro de si para pôr-se em marcha, envolver-se de ofícios e enganos, mas nada parece funcionar; mais uma vez o dia parece perdido. Mais uma vez parece fadado a sofrer, sofrer consigo, sofrer em silêncio, sofrer imóvel, … Continue lendo O homem extemporâneo
Vertigem
Dá quase vontade de ser pego no corredor, subindo as escadarias com uma garrafa de whisky e um baseado na mão. Seria bem engraçado, na verdade. A cobertura continua esquecida, mal-cuidada; acho que ninguém nunca vem aqui. Apesar do descuido é um lugar até agradável, com a solidão, e a vista, e o … Continue lendo Vertigem
Praia do bom engano
Sem você o tempo é todo meu Posso até ver o futebol Ir ao museu, ou não Passo o domingo olhando o mar Ondas que vêm Ondas que vão Sem você é um silêncio tal Que ouço uma nuvem a vagar no céu Ou uma lágrima cair no chão Mas não tem nada não - … Continue lendo Praia do bom engano
Viela 4, casa 5 (fundos)
Ela se joga na cama, acabada; sente com desgosto que os lençóis ainda estão molhados da noite anterior. Franze levemente o cenho, suspirando profundamente. Ela está cansada; muito cansada. As costas dóem, os pés formigam; antes que se dê conta ela já está sentada na cama, as costas arqueadas, os braços jogados sobre … Continue lendo Viela 4, casa 5 (fundos)
Dá-me a tua mão
Take a long drive with me Decemberists Dá-me a tua mão: vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. Clarice Lispector ...oi! Tudo bem? ...peraí, deixa eu te ajudar, é que a fivela está com um probleminha aqui, você precisa forçar um pouco e... pronto! … Continue lendo Dá-me a tua mão
Sobre nada, como tudo. ondas
Vou me comprar um erro. Um belo erro, comprido e redondo, que me ocupe e me faça perder noção do tempo, até o tempo acabar com isso de uma vez; com meu erro passa mais rápido o dia, e acaba logo a semana, e o mês, e o ano, e aí a gente morre … Continue lendo Sobre nada, como tudo. ondas
breve queda
Aturdiu-se com a súbita queda do velho, do imperscrutável Camões. Viu-se escasseado - ah, esses dizeres! Feito em pouco viu que os dizeres eram-no o quase tudo, o pão que comia, o sono que dormia, era o que dizia e o que dizia ser. Pegou o charuto para melhor contemplar a … Continue lendo breve queda