Praças de São Paulo terão R$15 mi para ‘Projeto Belezura’;
Serão revitalizados 225 locais em 11 subprefeituras,
Foi na noite de amanhã que aconteceu.
A chuva não parava havia dias; diligente, a água caía com intensidade e velocidade oscilantes. Por muito tempo achou-se nas ruas que o mau tempo cessaria logo, que se tratava de fenômeno passageiro. Na pior das hipóteses tratar-se-ia de um mau momento, com alguns pontos de alagamento, alguns desabrigados, alguns mortos – não mais que isso, nada além da estranha oscilação a quese chama rotina.
Indiferente às opiniões e prospecções, a chuva caía.
Alguns dias de mau tempo e os noticiários e redes de comunicação passaram a investir no assunto, tratando mais demoradamente das previsões e perspectivas, acusando uns e outros pelos transtornos decorrentes.
E a chuva caía.
A noite de amanhã completava exatos quinze dias, e o fenômeno já assumia vulto e circunstância de qualquer forma – mas o que se deu certamente conferiu a estes tempos o caráter excepcional e radical que assumirá.
Cats and dogs wouldn’t do it; a chuva acorria intensa. Pareceria – e assim há de ter parecido a muitos – que a chuva em si arrefeceu naquele momento; pouco importa. A emergência, bem compreendida, prescinde de tons dramáticos, contornos reforçadores, pompa e circunstância.
Exaurida, a cidade como que virou em seu avesso. A água vinha de dentro da cidade, expelida de seus poros de concreto e ferro; a cidade, ferida aberta, desmanchava-se em pus aquoso. Era disso que se tratava, sem sombra de dúvida.
Há quem diga que a cidade conta, para cada habitante, 10 – ou 100, ou 1000, não me lembro, e pouco importa – ratos. O número com certeza era multiplicado em milhares no que diz respeito a baratas e moscas. Para todos os efeitos, até amanhã, a anedota era como um sujo referente retórico de efeito para a nobre, limpa e bela causa socialite da verdice urbana, do bom-senso comportado, dos bons costumes ambientais, do papel dos poodles, veludos e mordomos.
A emergência, suja e feia, chocava pela aparente indiferença perante o assombro da comunidade em polvorosa. O horror desmontou a já precária boa vizinhança e conivência muda perante a violência e feiúra alheia.
Os ratos comiam lixo, comiam corpos, comiam uns aos outros; passavam sobre mãos e pés e cabeças e olhos e casas e sonhos.
As baratas vinham como ondas, como se houvesse pressa no antediluviano inseto.
Pós-diluviano inseto,
Pós-diluvianos, insetos… e ratos
e a candura dos homens é pouco mais que um engano triste, ridículo, provisório/ e radicalmente necessário aos homens e poodles e veludos.
A emergência foi, amanhã, o fim das inocências, e a carne exposta que os ratos devoravam presta um testemunho da catástrofe humana.
Só humana.
W, 2010