… e todos os livros que nunca li

 

  O mais sincero seria começar esse texto declarando minha tristeza em escrevê-lo, por tudo o que ele me custa; mas não me aguento nisso já, contorno esta necessidade e volto a ela quando mais não puder.

  …um dos livros que mais me marcou neste ano de 2010 é, sem dúvida, o “Fazes-me falta” de Inês Pedrosa.

  Ainda não ouvira da tal Inês. Foi por acaso que peguei em mãos o livro, na Livraria Cultura – um volume bastante simpático, simples: o fundo branco, o escrito em fontes despretensiosas, uma imagem de uma cadeira vazia nu quarto a evocar um Van Gogh mais realista.

  Chamou-me a atenção o título, inicialmente. Fazes-me falta… evocativo, singelo e, ao mesmo tempo, forte e contundente. Quantas pessoas têm a presença, a força de lançar assim, taxativas, um “fazes-me falta”? Em algum lugar a colocação reverbera a sinceridade pungente e dolorida que me toca no filme Closer – a abertura de expor-se, lançar-se sem reservas a uma sinceridade que conclama a uma crise, inevitável crise de perceber-se mais profundo, mais ruim, mais ressentido do que alguém se permitiria saber.

  Ao mesmo tempo “fazes-me falta” evoca uma certa distância – a distância de uma carta, a distância de um encontro “neutro”, num café ou restaurante. Fazes-me falta… belíssima colocação!

  E como continuaria, o enunciador singelo, corajoso, fraco e forte, humilde e presunçoso? Aí vem a melhor parte: continuaria de muitas formas.

  Porque é um poema. E uma história de amor. E uma série de cartas, sinceras, pungentes, sofridas. E é um testemunho, uma carnalidade como as que concebe Clarice, suas personagens ferinas, femininas, pujantes.

  E é sempre agradável: às vezes por sua grandiosidade épica, às vezes pela singeleza macia, às vezes pela força estética de um Borges-fêmea.

  “Fazes-me falta” é um grandissíssimo livro, e um meu apoio central. Porque nunca o li; e o quero bem; e o tenho em mim, sempre novo, fractálico.

  O “fazes-me falta” que eu conheço não tem personagens, e não tem fim, e quase não tem clímax. É um estofo, um abrigo móvel para os devaneios de linguagem que me levam, em minha efemeridade factícia, a exceder em prosa e verso minhas dificuldades e erros. Como a grande fantasia que é o “Reparação” de Ian McEwan, um enredo que enreda e corrige um erro.

  Fazes-me falta – e a falta é uma forma incrível de ser. Pois são as muitas Dulcinéias, os muitos livros das muitas Inês Pedrosas que me levam de hoje para amanhã, e transportam minha pequenez ressentida em heróis, e em grandezas, e em arte, e em rei e mestre e homem e futuro e mais.

  Não por acaso, esse mesmíssimo texto que hoje nasce/morre esteve em mim como idéias por algum tempo; depois como rascunho, neste mesmo blog, por mais algum tempo. E hoje vai ao mar, viver sua própria vida – e o mais provável é que eu mesmo não o veja mais, perdido e ocupado em minhas próprias errâncias.

  …

  [após alguns segundos de silêncio, apeio destemido em meu Rocinante, e as estradas e dragões deste mundo são poucos e pequenos para o tudo que eu não faço. Avante!]

 

13 de dezembro de 2010; manuscrito ao lado de carta a Dulcinéia, não remetida.

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