Presságio ou Formatar/Resetar/Ejetar 2

            Recebi de troco na padaria uma nota de dois reais em que estava escrito, em letras garrafais: “EU ODEIO VOCÊ”.

            Espantei-me, depois, com a minha reação: olhei intrigado e questionador para o caixa, como se perguntasse a ele “por que você me odeia?”.

            O caixa, e me pareceu óbvio quando o vi – mas só pude de fato vê-lo após uns dois segundos, ao longo dos quais estive perplexo e meio enevoado pelo situação – já nem olhava mais, e foi com indiferença que se deu conta quando saí de lá.

            Voltei para casa pensativo. O que aconteceu? Por que me choquei tanto com a nota? Afinal de contas não são poucos os que escrevem em notas de dinheiro. Há os que escrevem de forma prática, para anotar recados ou fazer contas; há os “náufragos”, que escrevem poesias ou mensagens românticas; …

            há os pagadores-de-promessa.

                        os que passam à frente correntes.

                                   Os religiosos fervorosos. Os subversivos.

Quem escreveu aquilo?

            Por que?

            Eu normalmente chegaria em casa, pegaria o jornal, levaria tudo até a cozinha, poria o café para esquentar, sentaria com os pães e a manteiga e folhearia o jornal enquanto comesse. Tomado como estava, peguei, sim, o jornal, mas joguei-o sobre a mesa – sim, a mesa da cozinha – mas sentei-me com a sacola da padaria – com a qual me estabanei até resolver deixá-la, também, em cima da mesa – e puxei a carteira meio afoito, como quem pula de sopetão numa piscina gelada.

                        Puxei a nota, cuidadoso

            Eu odeio você… igualzinho. A quem se odeia assim, anonimamente? O caixeiro não me odeia, é certo. Será que alguém odiava o caixeiro e lhe entregou a nota como mensagem?

            Será que eu odeio alguém? Alguém me odeia?

            Será que alguém no mundo odeia dinheiro?

            Curioso… fico imaginando como seria se alguém escrevesse eu odeio você em cada nota de dinheiro, em letras garrafais, em cada nota que recebesse. Recebe o salário, chega em casa, pega a caneta, senta, e odeia cada nora que recebeu, uma a uma. Demoradamente,

como se aproveitasse aquela tortura que inflige ao dinheiro,

            e naquele momento ele se sente superior ao dinheiro, o verdadeiro homem, aquele que superou o dinheiro.

            Pouco provável.

            Ou talvez ele esteja com dificuldades financeiras. Precisa muito comprar cigarro. Puxa o dinheiro da carteira e só tem dois reais. Não dá. É compreensível que, na circunstância, ele odeie aquela nota de dois reais, como se fosse por falta de competência dela, por ela não ser uma nota de cinco, que ele vai passar o dia sem cigarros.

            Pode ser que a nota me odeie.

            É… mas por que uma nota de dinheiro odiaria um cara como eu?

            Ah! Nove e meia!

            Tôatrasadoputaqueopariutôfudidomefudiaiquemerdaaiquemerdaaiquemerda…

                                                                                  porra de nota.

W, 2010

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