Bilidim

Ela, ali – Bilidim, problema social.

Vira de lado diante do espelho, dá uma estudada no formato da barriga, mas não: ainda não dá pra notar nada.

Mas o moleque tá lá.

O moleque tá lá dentro, mano! Ali dentro da barriga dela – não dá nem pra ver, mas ele tá ali, bonitinho.

Bonitão – que nem o Miolo.

Ela pensa e baixa o olhar, olha direto pra ele, pro Miolinho, Miolo Jr., crescendo ali dentro. Três semanas, já, e hoje tem baile de novo, Miolo vai tá lá.

Bilidim, agora, acha que vai falar, sim, com o Miolo. “Lembra aquele dia, Miolo? Então… engravidei, tô carregando um filho teu”.

Ela imagina o Miolo ali, meio em choque. Aí ele esboça um sorriso, olha em volta, e rasga um sorrisão na cara, fora a fora.

“Caralho, Bilidim, é memo? Porra, eu vou ser pai, é? Que foda, Bilidim, que foda! Porra, aí sim!”.

Aí o Miolo abraça ela, bem apertado, chorando e tudo. Aí ele chama os capangas, lá, o Zóio, o Bico, o Zica. Se o Tiziu estivesse lá ele chamaria o Tiziu também – mas em geral o Tiziu não aparece; nem o Falcão, claro.

Mas o Miolo estaria feliz, pagaria cachaça pra todo mundo (ela não, que ela não pode beber, porque não pode prejudicar a saúde do moleque). O Zica puxa uma oração, o Miolo não encrenca, porque é dia de festa – “reza aí, eu até ajoelho aqui nessa porra, reza aí, Zica”.

Aí passa a sombra da mãe dela, ali do outro lado do lençol que divide o quarto da cozinha.

E aí ela se liga… “Puta merda… engravidei, mano. 13 anos, e eu engravidei”.

Agora ela pensa que a mãe dela vai matar ela.

Bom… matar nada! Que que a mãe dela pode fazer, porra? Vai me dar um esculacho, claro. Nos dias em que ela beber a Bilidim vai levar uns tapas – vai acordar levando tapas.

Até aí, só mais um dia.

Além disso, claro, a mãe dela “vai ficar decepcionada”, dar sermão, aquela porra toda.

Nessa altura Bilidim senta no colchão, em cima do vestidinho, que já amassa um pouco.

Uma ponta de enjôo, mas ela não vai vomitar; até agora não precisou vomitar nenhuma vez.

Mas que a mãe dela poderia fazer, afinal? O moleque é filho do Miolo, porra! No duro, essa gravidez pode ser a chave pra situação até melhorar um pouco.

Um barraco menos esculhambado, mais pra cima ali do Matilha. Com janela e tudo.

Aquelas de alumínio – Sasazaki, a porra toda.

O Miolo faria o corre, com certeza, falaria com o Falcão, cobraria uns arrombados, aquele esquema de que ele fala por aí.

Estourava o miolo dos arrombados.

Porque não tem vacilo.

Miolo não vacila.

Agora Bilidim está aflita: Miolo vai acabar com a raça dela.

Ela imagina Miolo puxando ela pelo braço pra fora do baile, de vez em quando virando o rosto cheio de raiva: “tá de brincadeira com a minha cara, vagabunda? Tu quer foder comigo, é?”.

Imagina o Miolo levando ela ali na tia Ilê, a tia Ilê explicando que não faz esse serviço que ele quer, que se ele quiser isso tem que passar no Doutor; imagina o Doutor passando os caminhos: erva, comprimido, agulha de tricô; imagina o Miolo fazendo tudo que o Doutor apresenta, matando o moleque quinze vezes, ela sangrando, purgando por todos os buracos a esperança, a dignidade, os sonhos.

Se imagina morta aos 13 anos, o Miolo espalhando a fama que literalmente fez o nome dele uma vez mais – os miolos dela espalhados na parede, dessa vez, aquela mesma parede da viela do Fundão.

Foi vacilo do Miolo.

Puto do Miolo, filho da puta do caralho: não gosta dela porra nenhuma, nunca olhou pra cara dela depois daquele dia, se bobear ele nem lembra que eles transaram no baile.

Com certeza ele nem lembra que eles transaram no baile.

Foi vacilo dela.

Não: foi vacilo dele.

Porque o moleque é dela.

Bilidim afaga a barriga, agora. As lágrimas molham a barriga toda, regando o moleque que ainda nem aparece, mas já aparece por ali.

O Miolo não vai saber de nada. Ela não vai dizer pra ele que tá grávida, e não vai dizer que o filho é dele.

O Miolo nem conhece ela, porra.

Ela vai na porra do baile. E ela vai transar com o Dado, aquele que era irmão mais velho do Ditinho. Dá um mole pra ela, aquele ali, e parece menino certo, cristão, tá na escola até hoje, entrega panfleto no fim de semana, tá dando uma raça.

O moleque dela vai ser filho do Dado, pronto – hoje ela transa com o Dado, dá três semanas e ela conta pra ele, no fim fica como se o moleque fosse pré-maturo, coisa do gênero.

Foda-se.

Levanta. Suspira, olha pro espelho. Sorri.

Dá uns tapas no vestido – tá suave, dá pro gasto.

Liga o som.

Aumenta o volume.

E decide: o moleque vai chamar Michael.

E ele vai ser foda.

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