A inquietação que me toma é filha do medo que eu sinto pela certeza que tenho de que jamais receberei o perdão necessário pelas minhas mais fantasiosas falhas – aquelas pelas quais é impossível sequer pedir o tão urgente perdão.
Coço e roço e tremo e cuspo como posso, mas o medo me carcome a determinação e a inquietação fermenta, em pouco tempo eclode de dentro dela vertiginosa irritação, sombra insistente de amargurados pretéritos gestos, chorume curtido das mais fevereiras paixões.
Arrastadas em tom menor, enroladas em contratempos, abafadas, arranhadas em microfonias esganiçadas pelo desespero do erro, pela certeza gritada por cima do desespero, pela apatia arvorada no fracasso das certezas, amarradas em praças públicas que já ninguém frequenta, amargando à boca seca a ressaca que resta nas cinzas das já tão quartas-feiras.
A voragem me convoca, e eu mergulho eternamente rumo a um transtornado centro – mordendo minhas bochechas, tiritando minhas obturações, salgando minhas feridas. Abraço a saudade de um acaso que jamais viria,ressinto as dores que me fazem companhia, amaldiçôo os deuses em que não acredito, me contemplo, orgulhoso, a partir de um futuro onde estarei melhormente pior, soberanamente pior.
Um dia, quando eu chegar lá, encontrarei a merecida funesta glória: eu e meu calvário, eu e minha cruz, eu e minhas cicatrizes e dores e raivas e invejas e medos, todos a me exultar de raiva diante desses tão apequenados transeuntes, eles e suas tão menores inquietações e medos e apatias, eles e suas mal mordidas bochechas, suas mal torturadas feridas, seus ódios mesquinhos tão menores que os meus. Contemplarão a glória de minha desgraça, e serei magnânimo.
Enquanto a glória não chega, por falta de escolha, vivo amargando o que posso, odiando como posso, inquieto, imperdoável, insuperável e decididamente infeliz.
Errâncias 