Rastro

Uma das coisas que mais me atrai na escrita é um certo estado de espírito que se cria, uma disposição que passa pelas coisas que chamamos de contemplação e calma, ainda que não me pareça ser exatamente isso. A linguagem, a relação com a linguagem tem um papel importante, de que já falei mais vezes aqui, mas o ponto não é tanto a linguagem em si. É como na poesia: o trabalho com a linguagem é crucial, mas não é dele que se trata – é de algo que passa pelo que chamamos de vida emocional, ainda que não me pareça ser exatamente isso. Como na poesia o trabalho com as palavras me convoca, quando da escrita, a uma certa disposição relacional, uma certa relação de mim com algo que eu não vejo, me convoca a uma temporalidade e um modo de pensamento de quem toma café com bolo na varanda, café com bolo que eu não faço na varanda que eu não tenho.

Tem alguma coisa que se diz, por se estar dizendo coisas – ainda que a coisa que se diz não se diga nas coisas que se está dizendo. Como agora: as palavras a que recorro não teriam como veicular o que estou querendo veicular, que é uma contemplação serena e segura durante sua navegação em meio às palavras, ainda que se sinta que as palavras são um meio que não garante o transporte,  nem o destino, nem a origem.
E é esse algo que me digo a mim, navegando as palavras, tendo nas palavras o meio que me liga a você, leitor, e que me sustenta nessa viagem para a qual as palavras não oferecem garantia nenhuma que não a de ser um meio. É isso, acima de tudo, que a escrita é para mim: da errância, o rastro.

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