[Esse post nasceu a partir da apresentação de Rafael Carnevalli que você pode assistir aqui]
Irmão, escuta, irmão,
eu chego aqui na humildade
pra falar da ocasião
O tempo é curto, sempre curto,
sempre rotina na pressão
e enquanto o grito sufoca
sobra o Face, a televisão
Eu procuro no caminho
a perfeita ocasião
pra meter a mão no microfone
e estourar o botijão
Não sou do rap, hip hop,
nem do funk ostentação
Não tenho em mim marca de rua, faca, tiro, de agressão
mas se o meu corpo testemunha
é pelo avesso, porque estremeço
quando vejo o enorme preço
que paga o preto pobre periférico,
que é gente, meu irmão,
quando vejo que ele morre
morto ou vivo no camburão
A mão da rota mata solta
mete bala, mete medo
mete dor, b.o., desde cedo aponta o dedo e é assim,
simples assim,
que o moleque cidadão, tum-pá, virou ladrão
E aí aparece os ternos, e os gordos nos ternos,
o Datena e o Russomano e os caras na televisão
que falam como se existisse que “é pra prender ladrão”
e os nego viram prefeito e a cidade vira prisão
Já passou, já passou, já passou ocasião
De sair dessa miséria
de aprender uma lição
essa porra não tá certa
e não seria descoberta
se a gente olhasse pro bandido
e descobrisse que é irmão
Irmão de sangue, latino, derramado, roubado
sangue meu, esparramado
sem justiça e sem razão
Sangue meu, problema meu,
problema seu, problema nosso
Dos polícia, do Datena, e tá na hora dessa antena
sair da grana e olhar pra cena
tá matando todo mundo, gordo sacana,
isso não é show, é o genocídio da nação!
Zumbi livre vai à luta
zumbi branco desajusta
cola na tv e no face
e reclama da labuta
do seu terno, do seu tempo
e do trânsito que é lento
E esquece que ele é o jeito
pra sair da opressão
Se o irmão tá na batalha,
sob a mira da navalha
como o branco gordo em casa
se estira no sofá?
E se é fácil desse jeito
se esparramar no preconceito
é hora de fazer direito
e fazer o que é pra ser feito
lembrar que é gente e tem direito
o tal “bandido”, o tal “ladrão”
E se esses nomes tão murados
Vão isolando do outro lado
Um cara sendo acossado
Pela tua gorda servidão?
E se o berro que mata o bandido,
E o do bandido que mata o teu ente querido,
E o berro que mata o seu vizinho,
Estão todos, no fundo, na tua mão?
Hein, irmão? O que fazer então?
Deixa eu dar um conselho:
Deixa de ser otário e pentelho,
sai da tevê e olha no espelho
E quando for entrar em cena
querer em votar em um mecenas
pra representar os teus problemas
vê se não vota no Datena
que cidadania, amigo, não é questão de opinião.
Sim. A luta pelo direito, de Rudolf Ihering. Dizia ele que cada vez que nos omitimos face a uma injustiça cometemos outra. É isso mesmo. Nos manifestemos. Abraço.
Will, senti o flow daqui, irmão. rs
Saudades de você!
Achei que o encontraria no lançamento do livro, porém, cheguei já no final e você já tinha ido.
Muito bom ver esse texto assim, de uma perspectiva de quem está do outro lado dos P’s, mas combate e desautoriza o lugar de privilégios. Não é tão fácil, é necessário.
Agora, seguindo esta poesia “divergente”, recomendo esses vídeos aqui:
1) do projeto do Marcelino Freire, AuTores em Cena, no Itaú Cultural, entre os poetas está o Nelson Maca, que tem um texto dilacerador. Inclusive, o conceito “Literatura Divergente” é dele.
2) esse também é do projeto Autores em Cena, uma apresentação do Pedro Bomba, sergipano, que faz o Sarau de Baixo, na terra dele:
Um beijo