Tinha quase dezesseis anos feitos quando abri mão de tudo que tinha a perder de meus pais. Estava fartamente servido do que o ensino comprado tinha a me oferecer, e ansiava pela fome de mundo que só as estradas de terra poderiam me oferecer.
Por cinco dias amarguei o arrependimento, a grandeza de meu gesto majestosamente vertida em imprudência conforme tomava chuva, perdia carteira, ralava os calcanhares; arranquei um chumaço generoso de meus cabelos quando o arrependimento verteu de chofre em desespero – daí em diante comecei a ver valor na pena ao invés de compará-los, valor e pena, amputados um do outro pela balança.
Resisti às caronas como pude, de início por medo de ser reconhecodo e carrocinhado de volta a meus pais, depois porque simplesmente não fazia sentido pedir carona sem que soubesse onde ia. Eventualmente o tédio e a poeira me fizeram ver sentido em pedir carona na direção do destino mais distante – e assim cheguei a Teotônia, descarregado de uma carroça à beira da estrada e ainda alguns quilômetros distante de alguma cidade a que me propus chegar sem motivo específico. A estrada de acesso a Teotônia me recebeu sem colorido nem euforia, a garoa que caía vertendo em parca poesia a concretude singela das expressões aquarela com que até então tecia em palavra meus descaminhos, meu traço, meu rastro.
Em Teotônia perdi o tempo que marcava meus passos e me afastava de meu passado; sem que tenha havido trauma ou crime me vi proscrito e entregue à mátria ilha do desterro.
Nunca adentrei Teotônia – imaginei divisar junto ao pórtico caverna ou toca que devidamente acolhesse o que de mim eu esperava encontrar quando partisse; lá encontrei toca de fato, muito a despeito do que imaginei que pudesse haver de continuidade e nexo no que fazia então.
Afastei-me do oco em que afundava por leviandades, e foi por ter-me tornado leve que pude boiar para longe dali – o desmazelo com que me alimentava desarranjou-me de forma tal que me desfaria em merda se não saísse de lá em busca de batata ou carne.
Nunca fui Teotônio. Alucinei passados de mim e da cidade que nunca vi, fiz-me fundador, infundado fundador da tragédia de um lugar, quiçá existente, existe, será?
Não sei mais o que de mim; do que quis já não sei, fiz o que pude, tornado rude, perdido em desvista, à beira da pista, sem graça com que me apresentar a ti.
Viste-me, no entanto, flor de pântano, desabrochaste a meu lado, me tiraste do enfado. Minha prosa versa ruim, sei que desagrado, me arrogo passados que já há muito não são meus. Dá-me vida, Bruta Flor do Pecado, me sinto cansado, preciso de ti.
[Texto que compõe a história ainda sem título ocorrida no Jardim Matilha; também compõe a história o conto Teotônio Luz e Sombra, já publicado aqui]