Chove.
Chove e a vida tempo louco eu;
eu.
* * *
… chances as teve,
muitas, várias,
e a cada curva o novo se lhe afigurava velho
Os traços nos rostos das pessoas eram rugas
As marcas no asfalto era desgaste
As flores eram o prenúncio da morte
A brisa era frio e fome e medo.
E a morte, como um consolo,
era o abraço à espera no fim do longo túnel,
a solução para o lento e desagradável
acordar-sobreviver-dormir-sofrer-comer-descomer
Por descuido, um dia
– só um dia, e só por descuido –
deixou-se rir.
Não soube de que, nem por que, nem desde quando.
Sorriu.
Recompôs-se, claro, e o sorriso fechou e a feição escureceu
e ele voltou a andar protegido das ruas nas ruas
protegido das gentes nos encontros
protegido do medo e da vida na vida
Há momentos em que sente que tudo já foi diferente
Ou que gostaria que tude tivesse sido diferente
Ou que gostaria que tudo fosse diferente.
O cenho se franze em estranhamento, e ele não entende
[ por quê quer o que não se quer
Sabendo que não muda nada
Que tudo é igual
Porque as pessoas, e as coisas, são sempre velhas e feias e tristes
“Freiras tristes sem Deus”, ele ouviu uma vez alguém dizer
Que imagem mais bonita!
… ou seriam feias, as freiras sem Deus?
Ele se imagina num banco, num jardim
admirando as freiras tristes feias sem Deus andando a esmo
vagando a esmo, aos pares ou sozinhas.
Um jardim cheio de freiras tristes e feias sem Deus.
Feias freiras,
com seus passos incertos no mundo sem Deus,
quem as abandonou?
Vestem decorosas seus negros mantos
Ostentam enlutadas seu brilhante anel
– seu compromisso com o que as abandonou,
seu vínculo com o que não é,
a entrega eterna ao que poderia ter sido mas não as quis.
Pois não temam, freiras feias,
e não chorem mais!
Saibam que os caminhos apagados, a escuridão do mundo, o abandono
[e a lassidão
[dos abandonados
é a liberdade última, e a mais meritória.
Sendo abandonados, e esquecidos,
e estando sós
Somos testemunhos e condição de existência do mundo pobre
da amorfa e imbecil massa que é bela e tem Deus e é feliz.
Feias freiras, nada temam!
Nada temam…
… esteve sorrindo de novo?