Meu nome é João. Um nome besta, nome de um qualquer – acho um entendimento justo: “o João é um qualquer”.
…eu tenho 42 anos, e sou professor de literatura numa escola pública, aqui em Osasco.
Eu moro sozinho, numa edícula aos fundos da casa de minha mãe. Sou separado.
Sou retratado aqui, em palavras, em primeira pessoa, porque estou, neste exato momento, divagando sobre as provas que deveria estar corrigindo. Estou no refeitório do shopping, o queixo apoiado no cotovelo, meus olhos passeando pelo movimento do refeitório enquanto eu me desanimo comigo mesmo.
Se eu fosse escrever teria muito do que falar, certamente… pensamentos, fatos, idéias que tive sobre coisas que li, e que vi;
os absurdos que saem no jornal;
os absurdos que os políticos fazem;
a verdade é que quase não escrevo, quando muito recados para a faxineira ou post-its para a geladeira. Aqui reflete-se nada mais que o ofício de algum desocupado, dando conteúdo e linguagem a um mero devaneio meu, um escrito para ninguém ler.
E ele me escreve… de tudo que penso e sei e sou, se houvesse de dar espaço a algo a que seria?
seria a ela.
Não a Ana, porque mal a conheço. Ouvi sua voz só uma ou duas vezes, e em nenhuma vez falavacomigo. Não, não teria nada a dizer sobre Ana.
Mesmo “sobre ela”… ela indica que eu a designo como definida, em função de uma colocação específica, de um lugar que ela ocupa numa frase, num parágrafo, num texto.
Mas não… não.
Ana, ela é… ela é aquela. E aquela, ah!, aquela… aquela me marca, marca fundo. Aquela é minha marca… aquela sou eu!
Por que me ocuparia de meus grandes sentidos? De minhas continuidades e meus projetos? Do que quis de mim, e do que quero, e do que quererei amanhã?
Essas grandes esperanças, esses grandes saberes, como fardos me arrastam daqui àli, e eu sempre pequeno e pouco.
Mas quando a Ana passa, toda aquela Ana… aí eu sou isso tudo, aí o mundo é grande; aí eu sei porque eu fiz tudo que fiz, e quis tudo que quis, e perdi tudo que perdi.
Da minha vida, da soma das minhas horas, se fosse contar algo seria de Ana, Ana que passa, Ana que não conheço, Ana que esqueço quando consigo e porque já não tenho de que lembrar. Que Ana? Aquela – aquela lá.
Olha lá a Ana, aquela lá… é Ana que me faz eu, ela é o que importa desse muito que eu tenho vivido e pensado. Ah!, Ana, se você me olhasse! Se você me visse! Eu te contaria tudo que eu sei, tudo que eu sou, tudo que eu fiz, e toda minha vida faria sentido, e seríamos só um!
… aí Ana passa, some detrás do balcão do refeitório, e eu volto a me concentrar nas provas, nas muitas provas, no milhão de provas do quinto ano, todas pra quinta-feira – ô vida!
Gostei me lembrei de testos da Veja São Paulo da ultima pagina,devaneios para repousar a memte.