e tudo que se deu em mim.
Não que seja muito
Mas evidentemente dias e anos e lustros deixam suas marcas
em formas múltiplas, incontáveis, exponenciais,
e eu me vejo sendo muito mais do que de fato fiz de mim
e me assusto com a minha própria sombra, muito maior do que jamais imaginei.
E não me espanto que um dia,
tendo filhos,
cachorros,
plantas,
máquinas de fazer pão,
e leia o jornal e faça a barba e cocô antes de trabalhar,
pare de súbito diante do espelho, espantado:
Então é isso: virei meu própri avô. Nem saí de casa e já estou cansado, e já tenho medo do que vai acontecer lá fora, e já programo as férias de daqui a três anos, e já estou fazendo as contas para saber quanto ganharei quando me aposentar, e já acho que os partidos de centro-esquerda têm lá sua razão, e quando vou votar já penso “ele representa meus interesses?” e já não quero ficar na rua até tarde
mas a sensação estranha logo passa
porque, afinal de contas, estou atrasado
e me visto meio apressado.
Sento para tomar café
e nem consigo ficar irritado
culpado que me sinto em não fazer minha parte
para que o café da manhã seja All Day ou Doriana.
Minha sombra cresceu
e eu tenho medo dela.
às vezes me ocorre que ela tenha crescido
porque eu mesmo cresci.
Mas eu acho que não.
Um executivo metido a escritor, 2010