Menino tinha sempre um nó na garganta, um nó do tamanho da fome do mundo. Vivia carregado de ontens, vivido de gente morta desconhecida de si, sabida por ele à força justo de ter sido ninguém.
Menino falava espertezas, tendo lido muito quase toda a tinta trazida da França num abraço mental de explicar o mundo, e esse abraço emprestava dele menino língua e braços num desdobrar-se em explicar o que daqui no como de lá.
Menino sentia faltas, plurais por terem-se espatifado e perdido a imagem, migalhas que eram como a falta da falta que ele devia sentir se pudesse sentir por coisas que aqui, assim, e pronto.
Desfiava o dia, misturando o desfiar atento e cioso de quem desfia uma trança de queijo ao desfiar sedento e voraz de quem desfia o rosário querendo esconder nele um pecado imenso. Percebia, aqui e ali, que o vagar dos dedos ao desfiar do tempo era em verdade o vagar do tempo a fiar um menino, e quando sorria, percebido da estulta formulação, perdia o fio e tocava a caçar o rosário entre os dedos e lá no fundo perdidos ao rés do chão.
Desconfiava do dia, arisco a evadir-se sempre, ao murmúrio de riacho que ele por vezes ouvia a marcar o desencontro de menino a menino. Fazia força pra esquecer, e esquecia, que riacho afora corria a água, que corria o tempo, que corria a vida, que corria o menino a correr de si, encontrado em outros, perdido do que ali, assim, e pronto.
E pronto, que perdeu-se, e encontrou o que desimportava, e desimportou-se, importunou-se, empertigou-se, e há, inclusive, quem acredite – e lá longe, assim assado e Beltrano de Tal, e não acaba nunca.
Mas menino, ainda. Ali, no fundo. E sempre.
É só olhar e ver – aqui, assim.