Roberto,
quando te vi pela última vez estava com meu vestido preto, lembra? Preto, porque estava de luto. Tanto eu como você usávamos óculos escuros, que eu descobri com surpresa que não precisava ter usado, já que não chorei, nem a caminho do cartório, nem lá, nem depois. Supreendi-me, também, ao ver quão pouco os seus óculos disfarçavam: você estava acabado, Beto, lembra disso?
Conto a você essa história conhecida porque acho que você esqueceu, só pode ter esquecido; ou esqueceu ou me confundiu com alguém, ou perdeu a cabeça de vez – são os únicos jeitos que encontro para entender seu e-mail de sexta-feira passada e que só abri agora porque estava viajando com um amigo.
Você está maluco? Cheirou? Ou está mais cafajeste que nunca?
Talvez seja isso; o mais provável, na verdade, é que tenha enfim encontrado alguém e pode agora se apoiar nela para voltar a ser o senhor de si, o senhor independência, o senhor estou-só-tocando-minha-vida.
Foi isso? Encontrou uma muleta nova, Beto? Está tocando sua vida, como disse que precisava fazer? Só pode ser isso.
Imagino, inclusive, que tenha sido dela a ideia de procurar um coach, não é? Ela deve ter percebido o quão miserável e infeliz você estava e entendeu como pôde: você estava na carreira errada, precisava de orientação, uma trepadinha, um guru executivo, novos ares e pronto, nasce o Beto poderoso que o Beto sempre mereceu.
Você deve ter encontrado uma muleta à altura do seu ego passivo-agressivo, Beto, e se apaixonou tanto pela pena que ela teve de você que achou que fazia sentido me incluir entre as pessoas que poderiam fazer um “retrato fiel” de você. Afinal, se você quer se reciclar e se reencontrar, precisa do apoio daqueles que te acompanharam, e certamente sua ex-esposa faz parte desse passado; “encaminho a ela o mesmo e-mail que mandei a todo mundo”, você deve ter pensado, “e ela responde como todo mundo há de responder; afinal, são águas passadas, e fomos muito íntimos…”.
Bom, Beto, se você pensou isso, quero te explicar algumas coisinhas:
1. São águas passadas o que tivemos, mas jamais ficou tudo bem: você foi um porco comigo, nos divorciamos e nunca mais nos falamos, o que faz que as águas passadas estejam podres num tonel de lata incrustado no meu coração – e no seu também, certamente, mas sei que você não tem muito contato com o que vai no seu coração.
2. Como criamos alguns vínculos em comum ao longo dos anos, como o seu “amigo do peito, irmão camarada” Hugo (que, por sinal, é muito melhor que você na cama), era inevitável que eu ficasse sabendo de sua depressão, do seu desespero e de como você se agarrou arrogantemente à casa de sua mamãe e aos remédios do dr. Fontoura ao invés de encarar seus fantasmas.
3. Digo isso – e respondo ao seu e-mail em geral – porque quero te machucar, e quero seu mal. Não quero que me procure, não quero fazer as pazes, e não quero que fique bem. E, caso não tenha entendido, não vou responder às questões do seu coach, quem quer que seja, exceto pelo que já disse acima que deve te ajudar a entender quais são, do meu ponto de vista, seus maiores talentos, limitações e diferenciais.
Desejo a você que tropece em uma casca de banana e caia numa poça de barro no caminho da entrevista da sua vida em algum momento de 2015, para que você veja sua vida escapar por entre seus dedos como aconteceu comigo quando te conheci, e que você faça carreira no inferno tendo no diabo um chefe tirano e mal-apessoado.
No mais, passar bem.
Isabella