E se éramos luz? Ah, amor, se éramos luz devíamos ter-nos guiado por ali, mesmo, e teríamos sido tão tão felizes, é uma beleza de se sonhar. Por que não fomos a beleza que tínhamos guardada ali no cantinho, lembras ainda? Eu me esqueço, é tanta sombra e tanta luz, sabes? Eu mesmo não sei, mas é o que é, as sombras perpassadas tão rápido pelos clarões que a sombra por vezes clareia e a luz escurece, como o sol através das folhagens em carros velozes na estrada, no campo, no caminho à Chapada dos Veadeiros, lembras da Chapada? Lembro que eu me tinha em alta conta, eu e o violão e a mania de ver-me compondo momentos melodiosos de se recordar, e você atenta às nuances dos calores que te tomavam, das volúpias, dos encontros, dos desencontros, das pentelhações – ah, eras pentelha, incomodada por dias com uma frase que eu soltara assim sem mais nem por quê. Mas hoje, amor, hoje já não sei, olho de dentro de mim para as lembranças de nós que me habitam e vejo que naqueles momentos a luz e a sombra compunham uma saudade caseira, saudade de aquecer o peito, ao passo que hoje sinto uma saudade do não ser que ansio para trás e para frente, e já me esqueço de ser o cara que compõe os momentos melodiosos de se amar e se achar um cara bacana.
Eu me esqueço, como éramos mesmo? Éramos luz e éramos sombra, disso eu lembro, por isso recorro a ti, mas algo disso se apaga, sei que algo do que fomos sem querer virou cultivo em mim, virou ânsia, e procuro ali na terra revolvida flores, frutos, quiçá sementes, mas encontro só… só o que? O que encontro lá, o que encontro aqui? Nada, amor, nada que me alimente, nada que beatifique em mim a vida que espero ainda ser, é o rastro, são os rastros de uma alegria passada, uma alegria pesada, alegria pretérita tornada âncora do meu naviozinho, eu, velho precoce, e o mar vasto me vendo boiar.
E agora, amor, agora acredito que eu deveria parar de escrever. Fecharia a tela do Word, abriria uma ou outra ou ainda outra rede social, esbaldaria meu tédio nas luzes opacas de um mundo tão pequeno, tão grande. Deveria parar de escrever para você, você que nem sei quem sou, deveria deixar-me trombar de cara com o muro branco dessas luzes opacas. Mas enfim, já sabemos o fim da farsa, já sabemos como boia e boia essa farsa – lembras da última, em que conversei longamente com você amparado em um telefone desligado? Pararia de escrever, deixar-te-ia pendente aqui, nessa altura, abriria mão do solo fértil abandonado do que somos em mim e, aplacado, apaziguado, deixar-me-ia cair no muro branco; postaria, isso seria de se chorar de rir, postaria no facebook algum comentário tristonho, desses de pedir afagos e votos da existência de deus, mensagens de apoio, desejos de melhora e bonança, e ficaria ali, devorando indigestamente as migalhas de atenção dos bits e bytes de gente que eu conheço e já não vejo mais. Deveria entabular conversas sem futuro com mais alguma desconhecida do par perfeito ou do badoo, despejar desconfiança e sapiência em alguma pobre coitada, fingir tédio enquanto esbanjo as façanhas de minha meteórica e encalhada carreira, fingir que acredito no futuro sem futuro das tórridas noites de amor que jamais terei com essas desesperadas e suas mentiras convenientes. Deveria navegar pelas notícias sobre as falcatruas que não sei se aconteceram perpetradas por pessoas que nunca vi e em quem não votei, já que não voto em ninguém desde que o Lula decidiu usar terno e falar direito.
Deveria parar de escrever, amor. Deveria parar de escrever.
Posso, sempre posso, e acho que o destino é esse, posso mais uma vez jogar na lixeira um projeto sem futuro e me entregar à punheta, o muro branco e sem futuro da punheta sem desejo pela falta que me fazes.
Sim. Tantos posts tristonhos pela “areia movediça” (aspas porque a expressão não é minha – acho ela genial) do facebook que até parecem buscar os tais bytes de atenção (risos). Mais uma vez, parabéns pelo texto. Abraço, Piero.