Já posso antever o momento do encontro com Aurora. Acelero, sinto o carro mais leve, sinto a iminência da história a cada curva, sinto a amplidão da paisagem e do mundo e da vida. Aos poucos Aurora vem, e estamos juntos. A essa hora da madrugada não há ninguém na estrada, e as luzes do meu carro parecem as únicas luzes do mundo, as luzes que levam a Aurora.
Sabia aonde ia. No caminho, no meio do nada, no topo de um morro sem nome em uma região sem nome, ancorada em si mesma jaz estatiforme a árvore solitária; era lá que encontraria Aurora, e era para lá que ia guiado por nada mais que minhas certezas.
Aurora saberia onde me encontrar. Eu não sabia bem como sair da estrada rumo à árvore, reduzi um pouco, tomei o acostamento. Achei por bem deixar o carro na grama, próximo ao acostamento, e seguir a pé.
Antevia o momento, saboreando a iminência.
O excesso de realidade do mato, os odores do morro me incomodaram um pouco – esperava mais senso poético e menos senso realístico em meu encontro; de qualquer maneira prossegui. Desconhecidos dos exercícios e cultivos do corpo, logo senti as pernas enfraquecidas pela subida, mais íngrime ao sabor das pernas do que parecia quando contemplada de dentro do carro.
Aurora vinha, podia senti-lo; sorria satisfeito.
Cheguei afinal à tal árvore solitária. Incomodei-me de início com a grama molhada, com as raízes desconfortáveis para sentar; mas sentei.
Abri então a sacolinha que trazia comigo e abri o cachorro-quente. Que degradante, que desagradável seria se Aurora chegasse naquele momento. Comi metade do cachorro-quente, tão ávido e apressado que acabei me indispondo e abandonei a metade restante na sacola. Procurando por um lugar onde deixar a sacola, percebi que já enxergava com mais clareza.
Se eu enxergava com mais clareza, era porque Aurora vinha. Aurora a iluminar meus pensamentos, Aurora que coloria o mundo.
E Aurora vem. A coisa mais linda, mais iluminada do mundo.
Acompanhado da Aurora assisti o mundo nascer mais uma vez. A vida que renasce, marcada por novas oportunidades, novas histórias, o descortinar de novos rumos possíveis. Pouco a pouco sentia que estava no lugar certo, que ali era meu lugar no mundo, lugar nenhum senão à companhia de Aurora. Deitada em meu colo Aurora me aquecia e me dava forças, forças que eu não pensava em gastar em lugar nenhum, de forma alguma – ali ficaria, ali era meu lugar.
E foi então que o telefone tocou. A mera lembrança da existência do celular quebrou de alguma forma o encanto daquele encontro mágico, tornou-me abruptamente cioso do carro na grama, de minhas roupas puídas, da estrada já mais movimentada; era o Paulo.
– Opa!
– E aí, seu maluco, onde você se meteu?
– Ligou para atormentar? Me deixa!
– Esse barulho no fundo é a estrada? É brincadeira, né, Zé? Você foi mesmo encontrar a “Aurora”?
– Fica quieto, Paulo, você não entende nada!
– Tinha poeta escondido na sua tequila, Zé? Escuta, pára em algum posto e compra uma Coca e uma coxinha, se alguém te parar na estrada você vai preso. E vê se volta logo.
Lindo!! Como para muitos é incompreensível ir em busca do eterno( mesmo que seja finito) e mesmo que para isso é preciso esquecer-se do real.