Vou me comprar um erro. Um belo erro, comprido e redondo, que me ocupe e me faça perder noção do tempo, até o tempo acabar com isso de uma vez; com meu erro passa mais rápido o dia, e acaba logo a semana, e o mês, e o ano, e aí a gente morre logo e pronto.
Talvez – melhor! – eu possa comprar uma dívida. O bom da dívida é que ela se arrasta sem precisar de pilha, e cresce sem precisar de comida. Se eu achava que um Tamagotchi seria bom de me enganar sobre o tempo e a vida, se eu comprar uma dívida, aí sim!
Ou eu opto pelo caminho chique e compro uma barra de chocolates. Seria chique porque eu poderia lembrar sempre da Tabacaria do Fernando Pessoa, “come chocolates, pequena suja/ come chocolates!”. Mas aí eu teria que comer o chocolate, e sendo comido o chocolate eventualmente seria descomido, e não seria mais meu, e eu não teria mais em que me apoiar. Não, não.
Pedras! Seis pedras, sei pedras redondas e maciças: uma vai no bolso direito da calça, outra no bolso direito do paletó, de onde teria tirado a pedra que eu estaria chupando segurando com minha mão direita, ao passo que a pedra que estava chupando até então eu passaria para a mão esquerda, em direção ao bolso esquerdo do paletó, onde está uma pedra destinada ao bolso esquerdo da calça, com o que a pedra que lá está será inexoravelmente conduzida pela mesma mão esquerda até o bolso direito da calça, recomeçando todo o processo.
Mas esta cena conduz Molloy, por sua vez, à praia. E na praia terei ao meu alcance a infinitude de ansiedades e saudades ainda mal formadas, coisas que me levarão a pensamentos de quietude e não-ser. Eu me arremessaria sobre as ondas em busca da condição invertebrada das algas, como se pudesse evadir-me à condição pensante, e tudo o mais seria como o são as coisas que não vivem, e no entanto persistem pelo tempo sem sofrimento aparente.
Se ao menos se pudesse boiar invertebradamente ao sabor das ondas como uma alga, e ser, no entanto, uma pedra!
…
e isso porque a mortalidade angustia, e a imortalidade angustia igualmente; aspira-se, assim, vez ou outra, pela amortalidade das coisas não-vivas, “É a condição humana”, é assim que é, e Deus dá forças, e ‘no fundo a gente passa por essas coisas mas sempre sabe valorizar o que realmente importa’, e quetais.
O que é mais curioso, o que é realmente cômico, é perceber que a aventurosa experiência de lançar-se às ondas da linguagem impensada sempre arremessa, mais ou menos rapidamente, mais ou menos violentamente, à mesma praia, à mesma praia.
∞
Mas indeléveis as pedras nos bolsos,
e a outra pedra na mão direita,
e o mar salgado na boca,
e o terno encharcado,
e os cabelos molhados e o olhar ao longe,
fixamente perdido na fina linha em que o mar é o céu e o céu é um mar,
indeléveis as marcas do tempo nas experiências de ser no tempo que a mortalidade impõe para o bem e para o mal,
indeléveis
e o mar é um vasto céu,
e as aventuras invertebradas fazem um não-sentido que parece, a despeito de tudo, fundamental.
Emocionante.
18h10, acabo de terminar meus afazeres profissionais, tenho pressa para sair correndo dessa semana tão estranha quanto modificadora de tantas angústias minhas.
E ao receber uma atualização do seu blog, pensei, pode ser que encontre nesta leitura um alívio por agora, por este pequeno momento presente. Dito e feito. Me senti no final de tudo, nessa praia, nesse nada, como uma onda, talvez…
Obrigada, de alguma forma.
Um beijo
Day