Dizem que Masud Khan foi ao Himalaia, em busca de iluminação ou alguma experiência epifânica. De alguma forma é provável que todos que se aventuram nesse tipo de experiência absolutamente estranha à rotina e aos prazeres mais “à mão” procurem algo dessa ordem – uma ruptura, um novo.
Reza a lenda que Khan chegou lá e achou tudo muito bonito. A amplitude do horizonte, a beleza da paisagem, tudo remetia a uma sensação generalizada de bem-estar e tranquilidade. Khan enchia os pulmões com o ar gelado e aproveitava o estar-bem.
E só.
Desceu das altas montanhas com algo travado, um nó na garganta – o que faltou? Voltaria à Europa, a Londres, com o relato frio da fria paisagem? Khan estava triste.
Por estar já naquela lonjura, havia-se proposto a visitar, na volta, sua cidade natal (Khan nasceu no Paquistão). Desolado em seu íntimo pelo fracasso, acalentava em segredo o desejo de esconder-se em algum lugar por ali e ficar-se lá; só agora, assolado por essa estranha angústia, dava-se conta da dimensão da expectativa que nutria pela viagem e pela grandiosa experiência que levaria de volta a Londres um novo, melhor, maior homem do que o que saiu.
Chegando à cidadezinha deixou as malas no hotel apressadamente, tentando impossivelmente desviar o olhar daquele momento, daquela estranha sensação, de si mesmo. Largou suas coisas sobre a cama e saiu em fuga.
As ruas estavam cheias, como sempre estão as ruas em todos os lugares daquela metade do mundo – ademais era dia de semana, e pleno dia; Khan dançava por entre os exíguos espaços pela rua, desviando-se de pessoas e bicicletas e carrinhos de mão e galinhas, acelerando o passo a cada passo: imaginava-se já correndo, e é provável que só não corresse por falta de espaço.
Divisou subitamente, em meio aos turbilhões, algo, algo familiar: um cheiro.
Olhou. Estava na parte alta de uma rua tomada por uma feira; a multidão aqui era quase maciça, um grande véu multicolorido agitado por muitas gentes. Acima o sol brilhava inclemente, todo-poderoso, absoluto, dourando o pó que se elevava da rua. Na laje acima de uma das casas uma senhora batia lençóis e pendurava-os num varal.
Khan enchia os pulmões com o ar gelado; não poderia dizer quanto tempo havia passado quando percebeu que estava parado no meio da rua, e que chorava.
Khan enchia os pulmões com o ar gelado, e chorava. Lá fora o sol impunha-se inclemente, e o ar era salpicado de ouro em pó, e as gentes protagonizavam a dança multicolorida em meio à feira, à feira de sua infância, a feira onde se vendiam galinhas vivas e carne de carneiro e temperos, a feira com o indistinguível, inominável cheiro dos mais fortes cheiros em comunhão, o fétido cheiro mais lindo que já se impôs a Khan.
*
Sublime é o mundo quando impõe-se sobre o homem, a despeito dele mesmo, com a beleza que a moda e a estética jamais alcançarão, quando as sombras dos mundos razoáveis se organizam caleidoscopicamente em algo que não se explica, e não se diz, e não se controla.
Sublime é o mundo através dos avassaladores lampejos do Real, alheios a tudo e a nada. Sublime é o ar gelado da cálida feira da infância do Paquistão.
Simplesmente fantástico e arrebatador
Filmes rodados na Franca , Espanha ou Itália são sucesso pois trazem as sensasoes como neste artigo