A palavra é a morte da arte.
A palavra põe contornos e limites lá onde a experiência nua grita, lá onde surge o indômito apelo que faz na arte sua morada e expressão.
Muitas vezes parece que há as artes da palavra, artes que são a partir das palavras que a possibilitam; mas não. Se as palavras se fazem necessárias para que o texto nasça, a palavra em si é simplesmente o representante inarredável do fracasso implicado no gesto – as palavras que compõem o texto são seu erro, seu ponto fraco. O verdadeiro germe artístico, o verdadeiro salto expressivo de um texto está em sua capacidade de explodir as palavras e fazer sair de dentro delas uma experiência, no leitor, do leitor, imposta ao leitor pela interrupção da leitura-ato e surgimento da experiência-texto.
A arte implicada na escrita é a arte do inominável, da evocação do inominável, tendo como único, precário e recriminável recurso que é a palavra.
Fosse um artista do estilo,
dado
[a
peripércias,
tomava as palavras e, sua conformação como canal expressivo; talvez por inépcia, talvez por opinião, uso a palavra como único recurso, como quem se conforma a um expediente desagradável. Recorreria a um utopismo saudoso e a uma expectativa de um tempo em que as experiências e registros se darão de pessoa a pessoa, por transmissão, sem perda de dados, se não acreditasse que há nisso tudo um engodo e que as perdas e necessidades e precariedades são justamente o que torna a arte uma arte;
deve ter havido, na Pérsia antiga, um artista muito reconhecido e muito procurado pelo imperador. Habilidoso, ele pintava, esculpia, compunha, cantava, retorcia – de toda matéria que a Pérsia dispusesse, tomava-as em mãos e transformava em arte, que os outros consideravam belo. O imperador, estivesse interessado em minúcias, perguntaria: “como pode, admirável artista, que componha arte tão admiravelmente bem?”; o persa, dado a artes, artista por excelência, responde com a cabeça baixa e entre dentes: “Alteza, eu erro como ninguém. Meus gestos, cientes de toda a técnica e todo o conhecimento acumulado para a expressão das belezas da vida, recusa-se a reproduzi-los. Sabendo tudo o que faz um bom artista, algo do íntimo de meu ser recusa-se ao jugo”.
Cortázar disse em uma entrevista que escrevia por prazer e jamais imaginou que poderia publicar as coisas que escrevia. No entanto, na medida em que começou a ler o que se produzia naquele tempo e país, percebeu que o que fazia era muito melhor e, assim, acreditou que alguém poderia se interessar.
metido, Cortázar.
Todo gesto comunicativo se dirige a um vazio profundo, nasce fadado a um fracasso fundamental. A potência infinita da língua há de contentar aos homens com os limites de seu emprego: há um primeiro grito, um silêncio agudo, que a palavra não alcança.
Havia um texto em mim, não escrito; dizia respeito ao inominável. O inominável foi abordado por Pontalis em algumas obras suas – os trabalhos de Pontalis têm cada vez mais me atraído, sem que tenha ainda chegado o ponto de efetivamente lê-lo. Algo se produz, inominável, algo a que a palavra vem dar contorno – e inevitavelmente falha.
O texto faria belos movimentos, a partir do cruzamento entre o inominável de Pontalis, o inominável na arte, o inexpressível, a minha não-leitura de Pontalis como uma admiração não formatada, como se a leitura de Pontalis fosse matar o Pontalis em mim; Um texto sobre contornos, conteúdos, e o radical.
Houve em mim um belo texto. Quando me pus a escrevê-lo, morreu.
W, 2010 – Speranza, coluna 4, 26 de agosto
como sempre,um prazer imenso compartilhar suas indagações.Que bom que você encontrou este canal de comunicação consigo mesmo.b
Will gostie do texto,e a mim lebrou o Cezar Bial do BBB narrando o seu texto antes de uma eliminação.Um abraço Rui.