Meu amado, tenho uma boa notícia: convidei um pessoal pra ir em casa. Na verdade convidei todo mundo! Seus amigos do futebol, o pessoal do Núcleo, meus colegas de trabalho, aqueles teus amigos do colégio… ótimo, né? Pois é, vai todo mundo almoçar em casa no sábado.
Sábado de manhã, você deve lembrar, eu tenho uma sessão lá no Centro, pro Projeto das Mães de Maio – então eu devo chegar em cima da hora, talvez não seja a primeira a chegar, mas não me atraso.
Posso passar no mercado e comprar cerveja pra não te sobrecarregar, pode ser? Aí você cuida da feijoada, das carnes, das entradinhas (pensei que ia ser bom ter umas entradinhas, tenho certeza que você vai pensar em alguma coisa legal – pensa naquelas daquele bar que você gosta, onde vamos juntos quando você quer sair), acho que ia ser legal alguma sobremesa também (pode ser coisa simples; se você achar que vai ficar pesado compra sorvete, todo mundo gosta de sorvete e ninguém vai notar).
Ah!, sim: não se preocupa com a decoração e a mesa! Põe os pratos no chão e o chão tá posto, como diz teu ídolo entendedor da alma feminina.
Sei que não está muito dentro da sua zona de conforto organizar essas coisas. Deve estar pensando na ordem das coisas, na quantidade de coisas, deve estar pensando no trabalho que vai te dar, talvez já esteja sentindo que talvez não seja uma boa ideia. Mas, olha, não pense assim! É tranquilo: compra as coisas, prepara as coisas, cozinha as coisas e tá tudo no jeito!
Você acha que não é tão simples? Eu também. Eu sei que não é, por sinal.
Por falar em saber, eu sei que você se esforça: sei que se preocupa, que pensa a respeito, sei que luta para ser desconstruído, luta mesmo para ser feminista. Mas olha só, acho que a gente precisa lembrar um pouco daquele outro seu ídolo da MPB: você não entende nada.
E acho que é isso, não é por mal, eu entendo, e então não me leve a mal. Mas é verdade: você não entende nada. E eu sei que você quer entender, sei da sua luta, sei que está aflito. Então faz assim: relaxa, tira um tempo pra você, fica tranquilo (e cuida das coisas todas de casa, claro. E passa no banco. E liga lá na TIM. E pensa num presente pra minha mãe. E na janta), descansa. Mais tarde eu chego em casa, não devo ficar até muito tarde no trabalho; aí eu chego em casa, a gente janta bem gostoso (eu levo um vinho – você podia fazer aquela carne ao molho madeira que a gente adora, né? Com batata sautée, talvez?), aí eu te como e saio com meus amigos, a gente tá mesmo querendo ir ao cinema, e você sabe, você não gosta dos filmes que a gente assiste, e também não gosta tanto do Zé, né? Mas enfim, se cuida, tenta ficar tranquilo, a gente faz esse jantar gostoso, no sábado essa feijoada, com certeza vai te fazer bem!
Você deve estar pensando, agora, se eu estou falando sério. Se eu pirei. Deve estar pensando que bicho me mordeu. Talvez esteja inclusive tentando esconder de si mesmo a sensação de que eu não devia ler essas autoras feministas, não devia me envolver tanto em política identitária, porque eu estou começando a perder o bom senso – eu sei que “você não é assim”, e sei que afasta de si mesmo esses pensamentos, mas fico pensando no quanto eles rondam os cantos da sua mente, o quanto eles não sopram em seu ouvido cheios de ironia e sensualidade, que nem aqueles demônios de desenho animado. E eu, pensando nisso tudo, queria te dizer, meu amor, uma vez mais eu queria te dizer: você não entende nada.
Você mencionou que me dava todo apoio para ir à Marcha hoje, mas que seria melhor eu ter te avisado antes, por conta do happy hour com os seus amigos; lembra disso? Então, deixa eu tentar explicar: não é distração, não foi sem pensar, não é coincidência nem perseguição minha. É que, como diz o baiano, você não entende nada.
Mas enfim, fica em paz, vai num spa (deixa que eu pago, amor, eu sei que vai fazer bem pra você, e eu só quero seu bem), e chama seus amigos pra fazer o happy hour em casa, eles podem inclusive dormir todos lá com você. Afinal, como diz o Chico: o chão tá posto.
Beijo!
Errâncias 