Eu ando pelo mundo, e eu presto atenção. Ando a pé, ando de ônibus e metrô, também, feliz, e ando de carro quando preciso; prestar atenção eu sempre presto.
Presto atenção, como a Calcanhota, em cores que não sei o nome, mas não as dela, não as de Almodóvar ou de Frida Kahlo – não que a imagem não me apeteça, mas não nomeia cores que eu veja. Cores que eu vejo são pouco artísticas, pouco maiúsculas: cores de salmão de restaurante japonês, cores de terno de banqueiro da Avenida Paulista, cores de whisky aguado de gente triste que mora sozinha.
Se serve de compensação pelo pouco refinamento das cores que vejo, por outro lado presto atenção em outras coisas que não cores, e que me levam daqui pra lá: músicas de estufar o peito e sair de casa em dias difíceis, motoristas de carro com cara de quem se protege da vida atrás do volante, ruas cinzas que escondem coloridos só para quem procura, gente com cara de sem-história que oferece uma história singela quando dura um segundinho no pensamento. As músicas de estufar o peito, essas me apetecem particularmente, e eu às vezes chamo elas de “música de cafajeste” mesmo não sendo – que eu saiba – nem eu nem elas cafajestes, mas é que tem um gingado e um nariz-empinado-mas-não-por-maldade que me cheira a jaqueta de couro e gel no cabelo, e aí o cafajeste parece uma imagem de um estilo que não ocorreu a ninguém nas megastores.
E às vezes – e isso a Calcanhota pode ver ou não, disso ela não fala – às vezes eu presto atenção ao mundo desprestando atenção a coisas que tirariam de mim as cores sem nome: aos cansaços do lado ruim dos trabalhos e das andanças, aos cinzas espatifados do tédio de um dia de tédio.
Eu ando pelo mundo e eu presto atenção ao efeito da inocência ensaiada dos jeitos de dizer das cores que eu não sei o nome. E eu presto atenção às cores de Almodóvar que eu não chego a ver, mas que me lembram das músicas de estufar o peito que são pra mim mais do que o Almodóvar que eu não vejo.
E eu ando pelo mundo e eu presto atenção às cores que eu não sei o nome, e às músicas que eu não sei o estilo, e aos lugares que eu não sei a arquitetura, e aos dizeres que eu não sei o por quê, e a ciranda dos dias roda e eu, quando me sinto inspirado, até me arrisco a equilibrar uma tubaína e um algodão doce e deixar a ginga da ciranda me levar.
Legal, Will. Gostei muito do texto.