Eu quero; quero muito, quero sempre.
Quero pra hoje e pra amanhã, pra mim e pra excesso, pro que dá e pro que falta.
Quero um mundo, todo um mundo só de hoje – um mundo muito, de tudo um muito.
Pra mim, e pra quem vai comigo. Pra mim, e pra você.
Quero porque posso. Do outro lado de mim, quero porque já não posso mais comigo.
Se fosse ruim eu dava a volta, e só.
E não é que seja simples, e não é desprezo. Não é desagravo e não é vagabundagem – querer e querer muito é coisa séria, é coisa já quase demodê
[porque hoje o povo quer muito de querer pilhas de coisas
de querer as coisas que querem que eles queiram
querem aquele tempo que não é tempo
aquela coisa que se veste no pescoço e se exibe e, pra si mesmo, nem se vê.
Eu não – quer dizer, eu acho que eu não: eu quero no tempo. Eu quero o tempo. Eu não quero a coisa pra mim, eu quero a coisa em mim, e eu quero viver a coisa, e ver a coisa viva e crescendo. Eu quero estar lá.
Mas é… é duro. A força da pobreza da alma é grande e assola a gente, condenado, coisa feia. É como… o bicho espreita, e a gente de repente tá nas presas do cão, querendo o que não quer, fazendo o que não quer, vivendo o que não quer.
O desengano é grande, a vida é pouca, e de uma curva torta nos caminhos idos a gente vê que saiu por demais dos trilhos do que era fácil, e era simples.
O erro é querer voltar; porque a gente olha pra trás e vê que errou, e quer desfazer os erros pra andar direito dali em diante – e é aí que o bicho pega, de novo (e mais de jeito ainda).
Que errei, errei – acho que em algum lugar toda a gente errou, já. Acho que a gente erra só de pular pra fora do bucho da mãe, lá atrás atrás, e dali em diante é só errando que se acerta, e só se acerta nos caminhos errados da vida certa.
Eu queria muito era ouvir o tal do canto do rouxinol, que existe e é bicho e todo mundo diz que canta bonito de fazer chorar. Queria ouvir o rouxinol cantando pra ele mesmo, e pra mim, na ribeira de um rio de vida toda, rio que passasse tranquilo, e eu visse ele passando visse mesmo passar minha vida serenatranquila – e ele, me vendo tranquilo, seguisse seu rumo tranquilo e me deixasse pra mim.
Na ribeira desse rio, às margens de um amanhã que vem e que passa tranquilo, quase sem me ver, eu vejo o mundo molhado da minha alegria serena; e o amanhã vem como vem – e, como sempre, algo de errado tem.
Não que eu quisesse consertar – porque não quero. Mas de ver todo aquele amanhã que já não é mais amanhã, que virou fantasia e hoje é saudade do que não foi; de ver a minha sombra dançando miúdo no fluxo tranquilo do rio; de me ver hoje vendo um ontem que nunca foi – “Ai, se sesse!”, chora meu peito miúdo.
E tem tristeza que é bonita, porque mostra o muito e a sorte que é ter uma vida que cresce em mais vida-pra-frente ao mesmo tempo em que cresce como fantasia-sonho pra dentro, e pra cima, e pra fora.
Viva hoje – porque
[ amanhã, dentro de mim, é uma espécie de ontem do avesso, e é eu demais.