Hoje é aniversário do Pedro – parabéns, Pedro!

Lembro do tempo, largo atrás de mim, em que se comemoravam os dias dos meu anos. Éramos jovens, e havia um plural que fazia sentido, eu era parte de um “nós”, e era ali em meio àquele nó que o fio hoje solto da minha vida cosia sentido a quem de fora via. “Belos olhos, menininho”, diziam aqui e ali, a ver nos olhos a cor de fora, e eu a ver no olhar desses outros e tios e tias e gentes velhas um olhar que me via por dentro, e eu era bom, e meu olhar era belo, e meus dias faziam sentido, e nada dava nó como hoje dá.

Eu passo à frente de um hotel, e penso que poderia entrar ali e tomar um café. A vantagem do hotel é que ele funciona vinte e quatro horas, e os restaurantes dos cafés apostam na iluminação artificial, de forma que eu poderia fazer do café um batente firme e ancorar-me nele, os cafés que se seguissem seriam “o café” indiscriminadamente, e os croissants e mistos quentes seriam os cocos de passarinho a dar lustro de tempo à minha duração inerte. Eu sairia de tempos em tempos para lavar o rosto e usar o banheiro, até que minhas pernas de tão pouco uso perderiam a ideia de como andar, e as veias deixaria que o sangue virasse xilema e floema e eu me enraizaria na tristeza que esse aniversário em branco me ofereceu, porque dessa tristeza eu desesperancei do futuro que me conduzia, cenoura que conduz o burro, e agora sem a cenoura eu já não sei bem como vim parar aqui e fico me perguntando para que seguir caminhando, afinal.

Seria bom, isso, um pequeno acinte, um desinteressado dar de ombros às idiossincrasias que marcam o rumo desse engano que é ser eu, entregar-se ao fato de que tudo que é eu muda de tempos em tempos, as moléculas e as células e basicamente o vazio que é o corpo que eu habita não fixa moradia, podia e talvez devesse eu fazer coisa semelhante e deixar-se fluir, indiferente a senso de projeto qualquer que me amarrasse a eu que vai e que vem.

E o garçon eventualmente me perguntaria, meio sem jeito, o senhor não quer pagar a conta?, e eu diria que ainda não, que aceitaria outro café, e um croissant, ou talvez um pão de batata, que é quase a lua-cheia do croissant que é a lua crescente, talvez eu até compartilhasse com o garçon esse infame trocadilho, ainda forçaria a barra e diria “essa é nova, não é? Sei que não tem graça, é humor minguado”, e lá estão, trocadilho e falta de graça marcando as fases da lua, eu de cu pra lua, minha lua instável a jogar as marés pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, as ondas da Virginia, mas com menos gente, só eu e mim e o café e o garçon já incomodado com meu mau cheiro, porque banho eu não tomaria mais.

Dizem que o metrô de nova Iorque nunca fecha, eu poderia ir pra lá só pra morrer no metrô, virar uma samambaia morta humana num banco a menos pra se sentar no metrô lotado. Faltaria o passaporte…

Boa tarde, seu Alberto! Tudo bem? Sabia que hoje é meu aniversário, seu Alberto? Obrigado! Pois é, seu Alberto, trinta e cinco anos. Trinta e cinco anos… como o tempo passa, não? Quantos anos o senhor tem, seu Alberto? Cinquenta e sete, já? Mas está bem conservado, hein? Até bonitão – desculpa a liberdade, seu Alberto, não leve a mal. O senhor tem família, seu Alberto? Ah, é mesmo? E quanto anos tem a menina? Que sorte a sua… que sejam muito felizes. Senhor Alberto… o senhor se importaria de dividir comigo um bolo? Eu compro ali na padaria e sento ali naquele banquinho, não atrapalho em nada, se quiser até posso cuidar aí dos portões, adoraria aprender um pouco do seu trabalho. É, acho que não pegaria bem, não é? Tem razão… Bom, vou comprar o bolo de qualquer maneira, obrigado pela atenção, viu? E desculpa qualquer coisa. Bom trabalho pro senhor!

Ai, que vergonha…

Boa tarde. Esse bolo é de que? E esse aqui? Sei… vê pra mim uma fatia bem generosa desse de nozes, então, faz favor. Como o senhor chama? Muito prazer, seu Lindomar, meu nome é Pedro. Sabe que a minha ex-esposa, Cláudia, gostava muito de bolo de nozes… claro, claro, pode ir lá, fica à vontade, o senhor está trabalhando, não é mesmo?

Lindomar? Lindomar? Queria um café, por favor. A padaria aqui é vinte e quatro horas?

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